O seu Oliveira
O “seu” Oliveira passa boa parte do dia balançando a rede colocada na calçada de sua casa, sob a sombra de duas ficus, observando o movimento da rua. Às vezes fica com o olhar perdido em seus próprios pensamentos, vendo os carros passarem, os ciclistas, os motoqueiros, as crianças brincando e chega, angélico, a tirar invejosas sonecas.
Na realidade, eu nem sei direito se o nome dele é Oliveira, mas todos na rua chamam-no assim. Vejo-o quase todos os dias quando chego para o almoço e faço o trivial cumprimento, cortês e respeitoso. Aos sábados costumava trocar uma breve palestra, ouvindo suas histórias sobre caçadas, fartura e sobre os homens que andavam armados com o famoso 44.
Hoje, a falta de tempo me impede de conversar mais com esse curioso e simpático senhor que deve ter por volta dos 80 anos, mas sempre está sorrindo e gosta de uma boa palestra com os vizinhos. Ele contou que trabalhou como charreteiro em Dourados, quando esse meio de transporte era indispensável para as pessoas se locomoverem, principalmente em dias de chuva. Não existiam ruas, mas veredas e atoleiros.
“Já tive charretes boas, cavalos bons”, recorda-se. “A gente apostava quem atirava melhor, valendo porco gordo...Eu ganhava todas”, gaba-se. “Algumas vezes perdia também”, remenda. “A gente matava o porco na hora, assim que ganhava a aposta, não tinha essa de deixar para depois...eu tinha latas cheias de banha em casa, aquela fartura...”
Já passou por uma intervenção cirúrgica no coração e agora cuida melhor da saúde e mantém o peso. É um velho magérrimo, mas bem disposto, lúcido. Dias atrás, o vizinho da frente viu ele cair da rede, batendo a cabeça no chão. Mas o tombo não passou de um galo. Não deve ter amarrado direito à rede que é presa a correntes nas árvores. “Só ouvi o tôc no calçada”, comentou o vizinho.
Possuiu fazenda na região de Glória de Dourados e uma loja lotérica, contando vantagens de uma vez quando saiu um bilhete sorteado. Até bem pouco tempo atrás ainda vendia bilhetes pelas ruas da cidade. Os filhos herdaram a lotérica e tocam o negócio.
Olho para o “seu” Oliveira e imagino a minha própria velhice, se Deus permitir que eu tenha esse privilégio. Ele passa muitas vezes despercebido pela maioria das pessoas, mas eu fico pensando sobre quantas coisas aquele pobre velhinho já fez, quantos acertos e quantos erros ao longo da vida. Na casa, mora apenas ele o filho, cuidados por uma doméstica. O filho sai para passear e ele fica ali, balançando indefinidamente a rede até que escureça, entre na casa para jantar e dormir.
Aos domingos, quando saio após o almoço para o trabalho, ele interpela: “já vai passear?”. “Não seu Oliveira, vou para o serviço”, respondo. Fica então me olhando e dando tchau. Penso em meu avô. As fícus e os pardais cuidam bem do meu vizinho de muro.